Os videojogos fazem bem
Tudo o Que É Mau Faz Bem: como os Jogos de Vídeo, a TV e a Internet nos Estão a Tornar mais Inteligentes. Este é o título do livro de Steven Johnson um especialista em questões ligadas às novas tecnologias e considerado pela revista Newsweek uma das 50 personagens mais influentes da Internet. Neste livro defende que, designadamente, os videojogos pela sua complexidade desenvolvem competências como a atenção, a memória ou a tomada de decisões. Steven Johnson considera que os videojogos obrigam o jogador a escolher o que o obriga a desenvolver capacidades intelectuais: "Avaliar os dados, analisar as situações, rever os objetivos a longo prazo e decidir."
Aquando do lançamento do seu livro em Portugal deu uma entrevista ao Diário de Notícias de que transcrevemos alguns extratos. Segue-se o registo de algumas opiniões sobre o assunto.
Como estão os videojogos a tornar-nos mais inteligentes?
Quem deixou de jogar quando tinha 15anos pensa que agora ainda se joga Pacman. Mas o que se passa é que os jogos se tornaram imensamente complicados e desafiantes. Começámos por disparar contra extraterrestres e agora é do tipo: “O que acontecerá se eu inventar uma democracia liberal numa tecnologia pré-industrial e combinar isso com uma rede de transporte rodoviário?” No outro dia tentei jogar Civilization e não consegui: era demasiado complicado para mim. Se acham que jogar xadrez torna os vossos filhos mais inteligentes, os videojogos também, porque até são mais complexos.
Mas esse argumento aplica-se a todos os videojogos, como o GTA?
Eu não acho que esse seja um jogo para uma criança de 12 anos, mas o facto é que só o manual de instruções tem 53 mil palavras. E o que muita gente não percebe é que é uma sátira, um modo de gozar com a cultura. Mas encorajaria os miúdos a jogar outras coisas, como simulação.
E esse tipo de exercício mental é equivalente à matemática?
Sim, na maior parte. Apoio a ideia de que os alunos do liceu deveriam ter o Sims ou o Civilization no currículo.
Deviam jogar-se nas escolas?
Esses jogos sim. Não o FIFA ou o GTA, nem pensar nisso. O ideal é pegar nos jogos e adaptá-los aos conteúdos educativos. E isso já está a ser feito.
Os pais devem impor limites?
Nalguns casos devem. Defendo uma dieta equilibrada de media. É preciso incentivar a leitura, mas também reconhecer que há valor nos videojogos e nas séries. Tem é que se fazer tudo nas doses certas. Mas essa dieta é impossível de criar se há toda uma cultura que só diz que isto faz mal. O que digo aos pais é: não entrem em pânico se os miúdos jogarem uma hora ou duas, desde que continuem a fazer tudo o resto. E passem a jogar com eles.
DN, 2006-04-09
Aumento do QI
Socorrendo-se de vários estudos – como os de James Paul Gee ou Daphne Bavelier –, o professor universitário vai mais longe no seu livro: "Quando os jogadores interagem com esses meios, estão a aprender o procedimento básico do método científico." O mundo criado pelo computador, diz Steven Johnson, "é um mundo com biologia, luz, economia, relações sociais, estado do tempo". E, defende o autor, é a "física do mundo virtual" que domina, quando fatores como massa ou velocidade o forçam a pegar no lança-foguetes por ser o único com alcance.
Steven Johnson estabelece ainda uma relação entre o aumento do QI dos americanos nas últimas décadas e os novos estímulos tecnológicos. Um argumento que não convence o neuropediatra José Pedro Vieira: "O QI das crianças aumentou cerca de dez pontos nos últimos anos", diz, mas frisa que a co-relação não está provada. O facto de uma criança ser capaz de programar um vídeo, por exemplo, tem mais a ver com o ter sido exposta a essa tecnologia desde cedo do que à inteligência.
Método científico
Jorge Rosa, da Universidade Nova de Lisboa, concorda com a tese de Steven Johnson sobre os efeitos dos videojogos – "não sei se nos tornam mais inteligentes, mas podem tornar-nos mais capacitados para enfrentar a o mundo tecnológico".
Para o professor universitário na área das tecnologias, os jogos mais complexos, como Civilization ou Sims, "permitem aprender um conjunto de variáveis que nos aproximam do método científico". E até o efeito "maléfico" de jogos como o GTA não se pode generalizar, embora deva haver supervisão. "Não se sabe o suficiente" sobre os efeitos dos videojogos em geral, diz, mas "o que se sabe é suficiente para dizer aos pais: estejam descansados."
'Tetris' nos alunos nacionais
Patrícia Arriaga, psicóloga da Universidade Lusófona, fez um estudo em 2001 com o objetivo de estudar os benefícios dos videojogos nas crianças. Para isso, analisou dois grupos de 30 alunos do 3.º ciclo.
Um jogou Tetris na escola durante três semanas, outro, não. Antes e depois do período experimental os miúdos realizaram provas para avaliar as suas aptidões percetivas e espaciais. Resultado: as crianças que jogaram Tetris "melhoraram os seus desempenhos de modo significativo" entre os dois testes – o que, escreve a autora, "sugere que a prática com um jogo de computador pode ter uma influência positiva no desenvolvimento das relações espaciais". Mas, ressalva, apenas nestas.
Neurologistas céticos
E a tese de Steven Johnson é vista com preocupação e reserva por mais especialistas nacionais. Alcino Silva, neurologista português dedicado ao estudo da memória na University of California, Los Angeles (UCLA), admite que "mais informação estimula o cérebro, fazendo as células desenvolverem-se". "Estudos em animais mostram que quanto mais rico o ambiente, maior a capacidade de resolver problemas". Mas se diz ser "razoável pensar que os videojogos possam ter efeitos positivos nas funções cognitivas", mostra-se preocupado com a tese e os efeitos perversos, como a adição ou o isolamento (ver pág. 4).
Para José Pedro Vieira, "está provado que o treino intensivo das funções motoras e cognitivas pode produzir melhores resultados". Desde que a tarefa seja adequada à idade, para não ser demasiado complexa – porque o excesso de estímulos pode ser prejudicial. Mas os estudos neurológicos são "demasiado escassos" para permitir conclusões. Até porque "a ativação de uns centímetros quadrados do cérebro não é um bem em si mesmo". E, insiste, não faltam pesquisas a contradizer Johnson.
Sofia Jesus, Leonardo Negrão, DN, 2006-04-09