Eu não sou como os outros
Eu não sou como os outros. A partir de um bebe inconsciente, inacabado, fomos a pouco e pouco, fabricados por todos os contributos do mundo que nos rodeia. Lançando mão de todos os recursos, devorando tudo, desenvolvemo-nos sem preocupações, às cegas, empanturrados de papas, de conselhos, de bandas desenhadas, de afecto, de repreensões e de televisão.
Chega então a idade em que olhamos para nós próprios: quem é este ser em que me transformei? O que é que ele vale? Examinamos o olhar dos outros que, muitas vezes, nos trespassa sem nos ver (serei tão insignificante?), ou nos chega carregado de ironias e desprezos (serei ridículo?). Vemo-nos ao espelho. Serei belo? Serei inteligente? A resposta a estas duas perguntas lancinantes é: diferente dos outros.
Eu não sou como os outros. É claro, porque o meu património genético, fruto de uma dupla lotaria, é único, como única é a aventura que vivo. O que tenho em comum com todos os outros é o poder de, a partir do que recebi, a partir do que recebi, participar na minha própria criação.
Mas é preciso que mo permitam.
E para isso contribuíram os meus pais, cujo ovulo e espermatozóide continham todas as receitas de fabricação das substancias que me constituem.
E a minha família, pelo alimento, pelo calor, pelo afecto, que me permitiram crescer e estrututar-me.
E a escola, que me transmitiu conhecimentos lentamente acumulados pela Humanidade desde que esta se procura conhecer e conhecer o Universo.
E todos me amaram, com o sei insubstituível amor.
Mas sou eu que tenho que concluir a obra, que tenho de colocar a trave-mestra. Esqueçam o modelo que gostariam que eu fosse: não sou obrigado a realizar o sonho que imaginaram para mim; isso seria trair a minha natureza de homem. Para que eu seja verdadeiramente um homem, devem oferecer mais uma coisa: a liberdade de vir a ser o que escolhi.