Entrevista com José Gameiro

Entrevista com José Gameiro

 

Tema principal: A psicologia como conhecimento

 

Pergunta – Como se coloca em psicologia o critério de objetividade inerente ao conhecimento científico?

 

José Gameiro – Não creio que se possa falar da psicologia como uma ciência objetiva, no sentido da infalibilidade do conhecimento adquirido. Todo o conhecimento deve ser falível, isto é, passível de ser posto em causa, dando origem a um novo conhecimento que faz avançar a ciência.

O conhecimento em psicologia é feito da interação entre o observador e o observado. Um observador não é objetivo, porque nunca é neutro na sua relação com os fenómenos observados.

 

P. – Quais são, na sua opinião, as áreas científicas com as quais a psicologia estabelece relações interdisciplinares privilegiadas?

 

J. G. – As mais importantes são a biologia, a medicina e as ciências da educação.

A biologia, porque todos os nossos microssistemas são biológicos. Sem a compreensão do nosso património genético, do funcionamento celular, não é possível estudar os mecanismos que presidem ao pensamento, à tristeza e à alegria.

A medicina, porque não é hoje possível compreender a doença sem avaliar a contribuição das causas psicológicas para a sua génese. Fala-se mesmo de uma medicina psicológica quando se quer pôr em evidência que tratar um doente é também cuidar do sofrimento que acompanha a sua doença física.

As ciências da educação, porque educar é compreender a interação entre a cognição, a fase de desenvolvimento psicossocial da criança e do jovem e a dinâmica grupal do contexto educativo.

 

P. – A psicologia foi/é atravessada por grandes paradigmas. Qual é atualmente o paradigma dominante?

 

J. G. – Os diferentes paradigmas coexistem no tempo sendo a sua evolução muito lenta. Não se pode falar de uma rutura paradigmática na psicologia, mas assiste-se à emergência de um novo paradigma – o paradigma sistémico.

Este paradigma é detetável na preocupação de compreender a relação entre os diferentes níveis de funcionamento humano, do genético ao social, do inato ao adquirido.

O nosso comportamento não pode ser explicado por reducionismos simples que os paradigmas anteriores contemplavam. Numa caricatura, dir-se-ia que nenhum de nós age de uma certa forma porque os genes assim o determinam ou porque os nossos pais nos condicionaram para tal.

 

P. – O processo de especialização das ciências corresponde num determinado momento a um progresso. Contudo, no dizer de Edgar Morin, a hiperespecialização pode conduzir a um saber fragmentário, a um “neo-obscurantismo”. Considera que se corre esse risco em psicologia?

 

J. G. – Penso que este risco está em vias de ser ultrapassado. Não me parece que a questão se possa pôr na hiperespecialização. Atualmente só é possível investigação de ponta se se restringir fortemente a área a investigar. O problema está na conjugação dos resultados com outros dados oriundos de outras áreas de investigação. É, portanto, uma questão epistemológica que terá de ser resolvida na criação do diálogo entre as várias disciplinas e entre os diferentes níveis de observação.

 

P. – Uma das reflexões mais estimulantes em epistemologia refere-se aos efeitos no conhecimento científico das estruturas ideológicas e das configurações socioculturais. Como coloca estas questões relativamente à psicologia?

 

J. G. – O maior pecado do positivismo foi pensar que podia haver neutralidade no conhecimento científico. O cientista transporta, sempre, para a investigação o seu património ideológico mergulhado no ambiente sociocultural em que vive. A própria decisão sobre o que investigar está sempre condicionada pelo tempo pessoal e social.

O psicólogo quando investiga, tal como quando fala com um paciente, deve tomar consciência da sua ausência de neutralidade e explicar a sua relação com o objeto investigado.

 

Monteiro, M., Ribeiro dos Santos M., Psicologia, Porto Editora.