Dados biográficos de ERIKSON
Nascido, em 1902, em Hamburgo, na Alemanha, Erik Homburger Erikson fixou-se nos Estados Unidos desde 1933, tendo lecionado nas universidades de Harvard, Berkeley e Yale.
As suas conceções de desenvolvimento e de identidade influenciaram as pesquisas posteriores, nomeadamente sobre a adolescência. A ele se deve a expressão “crise da adolescência”.
Começou a sua vida como artista plástico, tendo-se formado em Psicanálise pelo célebre Instituto de Viena. Embora psicanalista, tece críticas à psicanálise por esta não ter em conta as interações entre o indivíduo e o meio, assim como por privilegiar os aspetos patológicos e defensivos da personalidade.
As suas experiências pessoais em antropologia, na década de 1930 (tendo mesmo habitado na reserva dos índios Sioux), muito referidas nas suas obras, deram-lhe uma perspetiva social marcante. As investigações com os índios confrontaram-no com o sentimento de desenraizamento e de rutura que estes experienciavam entre a história do seu povo e a cultura americana.
Erikson perspetivou oito idades ao longo da vida, atravessadas por crises psicossociais que, embora se sucedam, estão profundamente relacionadas entre si.
O importante das suas teorias é a “continuidade da experiência” do ego. Erikson vai fazer remontar à infância a construção do “sentimento de identidade”, mas é na adolescência que a identidade se consolida através de uma crise normativa.
Interessa-se pelas psicobiografias, tendo estudado personagens como Hitler, Lutero e Gandhi. Nas biografias, pode aprender a problemática psicossocial que o interessa – a dinâmica entre a história pessoal e as situações dos meios de vida e de ocorrências do acaso.
O seu primeiro livro, Infância e Sociedade, foi publicado em 1950. Identidade, Juventude e Crise é outra obra muito importante.
As conceções de Erikson revolucionaram a psicologia do desenvolvimento, continuando, nos dias de hoje, a motivar investigações e reflexões várias.
J. E. Marcia é um eminente continuador do conceito eriksoniano de identidade.
Erikson E o desenvolvimento
Conforme podes constatar pela leitura da biografia de Erikson, este autor critica as conceções psicanalíticas por considerar que Freud não teve em conta, na sua conceção de desenvolvimento, as interações entre o indivíduo e o meio. Por outro lado, enquanto Freud defendia que a energia que orientava o desenvolvimento era de natureza libidinal, Erikson enfatiza o processo de construção da identidade e a dimensão psicossocial do desenvolvimento. Além disso, considerava que Freud tinha uma tendência para patologizar o comportamento.
“Foi capaz de quebrar com muitas tradições limitadoras da sua época em particular ao mudar o conceito de desenvolvimento de uma ênfase exclusivamente patológica para uma perspetiva que realçava os aspetos positivos e produtivos do desenvolvimento.”
SPRINTHALL, N. e SPRINTHALL, R., op. cit., p. 147
Erikson propõe oito estádios psicossociais: perspetiva oito idades no desenvolvimento do ciclo de vida, desde o nascimento até à morte. No processo de desenvolvimento tem em conta aspetos biológicos, individuais e sociais.
Para este autor cada estádio é atravessado por uma crise psicossocial entre uma vertente positiva e uma negativa. Estas duas vertentes são dialeticamente necessárias; contudo é essencial que se sobreponha a vertente positiva.
A crise psicossocial não tem, na teoria de Erikson, uma conotação negativa sendo inerente ao desenvolvimento. A forma como cada pessoa resolve cada crise nuclear, ao longo dos diferentes estádios, irá influenciar a capacidade para resolver, na vida, os conflitos: “ajuda a determinar e a promover forças para ser bem sucedido no estádio seguinte” (Sprinthall, N. e Sprinthall, R., op. cit., p. 162).
O termo crise não é perspetivado com carácter dramático, mas “(...) para designar um ponto decisivo e necessário, um momento crucial, quando o desenvolvimento tem de optar por uma ou outra direção, escolher este ou aquele rumo, mobilizando recursos de crescimento, recuperação e nova diferenciação” (Erikson,E. H., Identidade, Juventude e Crise, Zahar, 1976(b), p. 14).
O indivíduo desenvolve-se através de experiências ligadas às modalidades de resolução de crises.
Vamos agora analisar sucintamente as oito idades ou estádios de desenvolvimento psicossocial:
* 1.a idade – Confiança versus Desconfiança (0 – 18 meses)
* 2.a idade – Autonomia versus Dúvida e Vergonha (18 meses – 3 anos)
* 3.a idade – Iniciativa versus Culpa (3 – 6 anos)
* 4.a idade – Indústria/Mestria versus Inferioridade (6 – 12 anos)
* 5.a idade – Identidade versus Difusão/Confusão (12 – 18/20 anos)
* 6.a idade – Intimidade versus Isolamento (18/20 – 30 e tal anos)
* 7.a idade – Generatividade versus Estagnação (30 e tal – 60 e tal anos)
* 8.a idade – Integridade versus Desespero (depois dos 65 anos).
1.a idade Confiança versus desconfiança 0-18 meses
Nesta idade, a criança vai aprender o que é ter ou não confiança. Esta confiança está muito relacionada com a interação do bebé com a mãe.
Embora esta idade corresponda à fase oral freudiana1, ultrapassa-a. A criança, neste período, aprende a ter ou não confiança, partindo da relação com a mãe. Se a criança não se sentir segura e confiante – se a mãe não responder às suas necessidades – pode desenvolver medos, receios, sentimentos de desconfiança que perturbarão as suas relações futuras com as pessoas e o modo como vivenciará os contextos da vida. Se a relação é de segurança – a mãe cuida dela – a criança desenvolverá um sentimento de confiança. Este sentimento de confiança vai refletir-se na sua vida futura, permitindo-lhe adaptar-se às situações, às pessoas, às tarefas socialmente requeridas.
“As mães criam nos filhos um sentimento de confiança através daquele tipo de tratamento que na sua qualidade combina o cuidado sensível das necessidades individuais da criança e um firme sentimento de fidedignidade pessoal dentro do arcaboiço do estilo de vida da sua cultura. Isso cria na criança a base para um sentimento de identidade que mais tarde combinará um sentimento de ser ‘aceitável’, de ser ela mesma, e de se converter no que os demais confiam que chegará a ser.”
ERIKSON, E. H., Infância e Sociedade, Zahar, 1976(a), p. 229
2.a idade Autonomia versus dúvida e vergonha 18 meses-3anos
Este estádio psicossocial é dominado pela contradição entre a autonomia, o exercício de uma vontade própria e o controlo sobre o meio e o seu versus negativo constituído pela dúvida e vergonha de quem se “expõe” demasiado quando ainda é tão dependente. A progressiva independência em relação à mãe permite-lhe explorar o meio que a cerca. A criança precisa de poder experimentar e de se sentir protegida no processo de autonomização. Afirmar uma vontade é um importante passo na construção da individualidade.
A problemática desta idade corresponde à fase anal freudiana.
“Depois de ter conquistado confiança naqueles que as tratam, as crianças começam a descobrir que têm vontade própria. Afirmam o seu sentido de autonomia ou independência. Realizam a sua vontade. Se as crianças são demasiado reprimidas ou castigadas severamente é provável que desenvolvam um sentimento de dúvida e vergonha.”
SANTROK, J. W., Adolescence, Brown and Benchmark, 1997, p. 48
“…a vergonha é considerada como o inverso da vontade autónoma pois há vergonha quando se é visível mas não se está pronto para ser visto.”
LEHALLE, H., Psychologie des Adolescents, PUF, 1985, p. 25
3.a idade Iniciativa versus culpa 3-6 anos
Retoma-se a problemática da fase anterior de forma mais amadurecida, mais determinada e diretiva. A criança, que já se exprime com à-vontade, física e verbalmente, realiza atividades diversificadas afirmando a sua identidade. A descoberta de si própria passa pela sua identificação face à masculinidade e à feminilidade. Este estádio marcará a possibilidade de tomar iniciativas sem medo de culpabilidades.
“À medida que as crianças em idade pré-escolar enfrentam um mundo social cada vez mais alargado, aumentam os desafios e necessitam de desenvolver comportamentos mais significativos para responder a esses desafios.
Pede-se às crianças que assumam mais responsabilidades. No entanto podem surgir sentimentos desagradáveis de culpa se as crianças não são responsabilizadas, sentindo-se muito ansiosas.”
SANTROK, J. W., op. cit., p. 48
Esta idade relaciona-se com a fase fálica da psicanálise, pois as crianças estão interessadas pelas diferenças sexuais e têm um ego que se relaciona com os outros de forma muito intrusiva.
A culpa é descrita como interiorizada, internalizada.
4.a idade Indústria/mestria versus inferioridade 6-12 anos
Erik Erikson utiliza a palavra indústria no sentido de produtividade, de mestria, de desenvolvimento de capacidades, competências (intelectuais, sociais, físicas, escolares). A partir de estudos antropológicos, conclui que, nesta fase, em várias culturas se fazem importantes aprendizagens sociais (instrução sistemática).
Esta idade inicia-se com a entrada da criança para a escola, o que lhe vai permitir viver um grande número de experiências. A escola também tem por função ensinar as normas sociais vigentes, bem como o modo como se desenrolam os relacionamentos interpessoais, isto é, o “padrão de ação da sua sociedade”.
O versus negativo é o sentimento de inferioridade e de inadequação que lhe advém de não se sentir confiante nas suas capacidades ou de não se sentir reconhecida nem segura no seu papel dentro do grupo social a que pertence. O sentimento de inferioridade pode levar a bloqueios cognitivos e a atitudes regressivas.
Erikson considerava que cabe aos professores uma grande responsabilidade: favorecer o desenvolvimento da “indústria” nas crianças. Segundo este autor, os professores deveriam, “de forma suave, mas firme, obrigar as crianças à aventura de descobrir que se pode aprender a realizar coisas que, cada um sozinho, nunca teria pensado atingir”.(ERIKSON, E., Identity: Youth and Crisis, W. W. Norton, 1968, p. 127.)
5.a idade Identidade versus difusão/confusão 12-18/20 anos
É a idade em que, na vertente positiva, o adolescente vai adquirir uma identidade psicossocial1, isto é, entende a sua singularidade, o seu papel no mundo.
As fases anteriores deixam marcas que vão influenciar a forma como se vivencia esta crise. O adolescente vai perceber-se numa perspetiva histórica integrando elementos identitários adquiridos nas idades anteriores.
É neste estádio que os adolescentes, com novas potencialidades cognitivas, exploram e ensaiam vários estatutos e papéis sociais. A sociedade permite ao adolescente este espaço de experimentação..
Embora a construção da identidade se realize ao longo do ciclo de vida, constitui uma tarefa específica desta idade.
O versus negativo refere os aspetos, sentimentos de confusão/difusão de quem ainda não se encontrou a si próprio, não sabe o que quer e tem dificuldade em fazer opções.
É na parte final da adolescência que se obtém uma “identidade realizada”, uma identidade adquirida.
A grande virtude adquirida nesta idade é a fidelidade: fidelidade aos investimentos, compromissos e ideais.
6.a idade Intimidade versus isolamento 18/20-30 e tal anos
Os indivíduos encaram a tarefa desenvolvimental de construir relações com os outros numa comunicação profunda expressa no amor e nas relações de amizade. É a idade de jovem adulto que, com uma identidade assumida, poderá criar relação de intimidade com o(s) outro(s).
“Assim, o adulto jovem, que emerge da busca e persistência numa identidade, anseia e dispõe-se a fundir a sua identidade com a de outros. Está preparado para a intimidade, isto é, a capacidade de se confiar a filiações e associações concretas e de desenvolver a força ética necessária para ser fiel a essas ligações, mesmo que elas imponham sacrifícios e compromissos significativos.”
ERIKSON, E. H, op. cit., 1976(a), pp. 242-243
A vertente negativa é o isolamento de quem não consegue partilhar afetos com intimidade nas relações privilegiadas.
7.a idade Generatividade versus estagnação 30-60 e tal anos
A generatividade2 é a fase de afirmação pessoal e de desenvolvimento das potencialidades do ego, nomeadamente no mundo do trabalho, da família e de interesse pelos outros e por uma vida social.
A pessoa sente-se madura para transmitir mensagens às gerações seguintes. Ter filhos é, frequentemente, um desejo que se insere nesta relação com o mundo.
A vertente positiva é o sentimento de comprometimento social, de que se tem coisas interessantes a passar às gerações vindouras. A vertente negativa é a centralização nos seus interesses próprios e superficiais, o empobrecimento das relações interpessoais, a estagnação.
8.a idade Integridade versus desespero depois dos 65 anos
Quando se considera positivo o que se viveu e se compreende a integridade da sua existência ao longo das várias idades, faz-se “...a integração cumulativa do ego”. “Embora ciente da relatividade dos diversos estilos de vida que deram significado ao esforço humano, o possuidor de integridade está preparado para defender a dignidade do seu próprio estilo de vida contra todas as ameaças físicas e económicas” (Erikson, E. H., op. cit, 1976(a), p. 247).
O desespero é a vertente negativa que advém quando se renega a vida, mas se sabe que já não se pode recomeçar uma nova existência.
“Os indivíduos olham para trás e avaliam o que fizeram com as suas vidas. Os olhares retrospetivos tanto podem ser positivos (integridade) como negativos (desespero).”
SANTROK, J. W., op. cit., p. 48
A grande virtude adquirida nesta idade é a sabedoria de quem se entende num balanço da vida, de quem sabe renunciar.
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Etapas do desenvolvimento psicossocial de Erikson
IDADE APROXIMADA |
DESCRIÇÃO DA TAREFA |
0 – 18 meses |
Confiança vs Desconfiança Se se satisfazem as necessidades, a criança consegue um sentimento de confiança básica. |
18 meses – 3 anos |
Autonomia vs Dúvida e Vergonha A criança esforça-se por adquirir independência e autoconfiança. |
3 – 6 anos |
Iniciativa vs Culpa A criança aprende a desenvolver tarefas e lida com o autocontrolo. |
6 – 12 anos |
Indústria vs Inferioridade A criança aprende a sentir-se eficaz ou inapta.
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12 – 18/20 anos |
Identidade vs Confusão O adolescente aperfeiçoa o sentido do eu, experimentando erros, integrando-os depois para formar uma só identidade. |
18/20 – 30 e tal anos |
Intimidade vs Isolamento O jovem procura estabelecer relações de intimidade com os outros e adquirir a capacidade necessária para o amor íntimo. |
30 e tal – 60 e tal anos |
Generatividade vs Estagnação A pessoa de meia-idade procura o sentido da sua contribuição para o mundo (por exemplo, através da família e do trabalho). |
Depois dos 65 anos |
Integridade vs Desespero Quando reflete acerca da sua vida, o idoso pode experimentar um sentimento de satisfação ou de fracasso. |
MYERS D. G., Psicologia, 1994, Medica Pan-América, p. 109 (adapt.)
Monteiro, M., Santos, M. , Psicologia, parte 2, Porto: Porto Editora, pp. 34-39