Relações entre irmãos – partilhar ou dividir?
Alguém disse um dia que se os irmãos se dão todos bem é porque ainda não fizeram partilhas ou não havia nada a partilhar. E, na verdade, as exceções, e felizmente há muitas, só parecem vir confirmar a regra de que a partilha é o pomo da discórdia familiar. Quantos de nós não foram já tocados de perto por desavenças domésticas ou não conhecem histórias de famílias que cortaram qualquer tipo de relacionamento por discordarem quanto ao rumo dado ao património comum? Ex-cônjuges enredados em equívocos e em quezílias que se eternizam, irmãos que deixam de se ver, filhos que se recusam a falar aos pais, primos que nunca se chegam a conhecer, são apenas alguns exemplos concretos e infelizes, que resultam de disputas intermináveis, de conflitos legais que deixam marcas inevitáveis e profundas na sociedade e na vida de cada um em particular.
Encontrar as causas.
Os inúmeros litígios que ocorrem aquando da divisão de bens nos diversos domínios da nossa vida, e em particular nos casos de sucessão e de divórcio, radicam, na opinião dos especialistas em comportamento, na resistência que temos em partilhar e em dividir, quer no plano dos afetos, quer no dos recursos e das coisas em geral. Todavia, muito embora o egoísmo seja uma das mais enraizadas imperfeições humanas, não explica tudo. Para vários autores, a dificuldade que temos em repartir e em dar decorre, em grande medida, do nosso milenar sentido de propriedade. Basta-nos olhar para o comportamento de uma criança para constatarmos que, de facto, a generosidade não é instintiva e que o sentido de posse é algo que se manifesta desde tenra idade. Na opinião da psiquiatra francesa Ilana Reiss-Schimmel, autora do livro La Psychanalyse et l’argent (A Psicanálise e o dinheiro), compreender o apego a coisas materiais e em particular ao dinheiro é compreender o homem: "O domínio do ter é aquele pelo qual nos ancoramos na existência. O bebé não se interroga sobre o seu ser, evolui na esfera do ter: ter fome, sede, ou sofrer com a falta, com a ausência da mãe. Na idade adulta, esta problemática desloca-se para o dinheiro, representante por excelência do domínio do ter. De facto, para além da sua função racional de instrumento de medida, de meio de troca, o dinheiro possui significados inconscientes para cada um de nós."
Na realidade, acumular património equivale, para muitos, a alcançar estabilidade e segurança ou ainda poder e reconhecimento social. E assim somos levados, consciente ou inconscientemente, pelos nossos interesses pessoais em detrimento do bem comum. Deixamo-nos, tantas vezes, arrastar de uma forma irrefletida e irresponsável pelas circunstâncias e pelas motivações do ego, sem tentarmos, sequer, compreender o significado e o alcance das nossas ações.
Avaliar as consequências.
Freud dizia que "as pessoas despem-se das suas aquisições civilizacionais nos momentos de conflito, perdendo a capacidade de contenção dos impulsos e tornando-se próximos dos selvagens, prontos a praticar os piores actos, mesmo aqueles que noutros momentos não imaginariam sequer possível realizar". Agir emotivamente sem qualquer controlo, lucidez ou sentido crítico é tristemente evidente no caso das separações litigiosas, e ainda mais penoso quando há filhos menores. Há quem não meça esforços para ferir e humilhar, não hesitando para isso a recorrer a todo o tipo de argumentos, a deformar a realidade ou até a expor a vida íntima do casal na barra do tribunal. Neste contexto, explicam os terapeutas, são inúmeras as ocasiões em que, impelidos pelo ressentimento e pelo desejo de vingança, e muitas vezes estimulados por pressões familiares, deslocamos o conflito conjugal para a questão da guarda, para aspetos materiais – como a pensão de alimentos, a partilha dos bens – ou mesmo para a própria relação com os filhos, como forma de atingir o outro. Os pais, no auge da desavença, não conseguem, em muitas circunstâncias, distinguir que foi o seu casamento que se rompeu e não o laço e a função paterna ou materna, que devem permanecer inalterados. Em casos extremos podem cair na tentação de utilizar os filhos como "trunfos" ou levá-los a tomar partido, uma atitude que provoca sempre conflitos de lealdade e que gera inúmeras sequelas emocionais. "O divórcio não deve incluir nem a parentalidade nem a tutelaridade, que são responsabilidade permanente do pai e da mãe, mesmo quando a posse e a guarda não está sob o seu domínio. Por outro lado, um filho, em hipótese alguma, poderá ou deverá ocupar o lugar do progenitor ausente. Os pais, mesmo separados, ao manterem-se, dentro do possível, unidos em torno daquela criança e ao tentarem preservar a imagem do outro, podem ajudá-la a atravessar este período delicado e conturbado." – lembra Françoise Dolto, psicanalista francesa que dedicou a sua prática clínica, bem como vários livros, à causa das crianças e à modificação do estatuto dos menores na sociedade contemporânea – acrescentando que "muitas vezes a angústia e a tensão dos pais pode ser aliviada com umas palavras que os ‘despertem’ para comunicar positivamente, no sentido de melhorar as relações num espaço de respeito mútuo".
Facilitar o diálogo.
Claro que não é fácil sermos sempre justos e imparciais em todas as circunstâncias da nossa vida, sobretudo nos momentos de conflito, em que não é raro sentirmo-nos lesados afectiva e financeiramente. Neste contexto, a mediação familiar pode ter um papel decisivo, sensibilizando as partes para a ideia de que a "guerra" não leva a lugar nenhum, e que um acordo pode possibilitar uma solução mais justa e razoável para todos. Este processo, conduzido por profissionais qualificados de diversas áreas, como advogados e psicólogos, não é um substituto à via judicial, mas um canal alternativo e complementar desta última. Margarida Vieitez, psicóloga do Espaço Família, lembra que "no entanto, ainda existe por parte da população portuguesa um total desconhecimento relativamente aos benefícios do recurso à terapia ou à mediação familiar como meio para melhorar o relacionamento do casal e construir um acordo de divórcio que reflicta a realidade familiar". E sublinha alguns dos seus benefícios: "nas sessões de orientação, os pais têm a possibilidade de expor as suas preocupações e encontrar respostas para as questões que os deixam ansiosos e sem saber como agir com os seus filhos. Nas sessões de terapia de grupo, as pessoas têm oportunidade de se aperceberem que vivem emoções semelhantes a muitas outras o que, consequentemente, fará com que se sintam menos sós". Por um lado, e face a cada circunstância concreta, discutem-se e definem-se os aspectos legais e, por outro, promovem-se os valores da colaboração, do respeito e da paciência, ferramentas indispensáveis para nos integrarmos na sociedade e vivermos com os outros. Além disso, explicam os terapeutas, este é um espaço em que podemos aprender a prevenir conflitos futuros.